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70% do bacalhau que ingerimos vem da Noruega

Portugal importa anualmente cerca de 70 milhões de quilos deste peixe. O fiel amigo norueguês é muito apreciado porque é um pescado migrante. Não é estacionário, como o de outros países produtores. Além disso, tem também menos gordura, garante o Conselho Norueguês dos Produtos do Mar.



É um dos símbolos gastronómicos do Natal. É raro o português que não o aprecia e até os turistas que visitam o nosso país não resistem a prová-lo. Apesar do salmão ser atualmente o peixe mais consumido em Portugal, o bacalhau continua, todavia, a ser um dos mais procurados. Os portugueses ingerem cerca de 70.000 toneladas por ano. Feitas as contas, são à volta de 70 milhões de quilos num país com pouco mais de 10 milhões de habitantes. Em termos médios, cada português come perto de sete quilos de bacalhau por ano.


"É um número impressionante", sublinha Johnny Thomassen, ex-diretor nacional do Conselho Norueguês dos Produtos do Mar. "Sabendo que, para obter um quilo de bacalhau [salgado], são precisos três quilos de peixe inteiro, isso significa que os portugueses consomem, por ano, mais de 200.000 toneladas de bacalhau. Não vem todo da Noruega mas 70% do que vocês ingerem aqui é proveniente do meu país", orgulha-se o norueguês, que reside em Portugal há mais de 20 anos e é um dos maiores defensores deste peixe.


"O nosso bacalhau é único e distingue-se dos outros pelo facto de, aqui, ser um peixe migrante. Apesar de nascer na costa da Noruega, nada quase até ao Pólo Norte e desenvolve-se no mar de Barents, que faz parte do oceano glacial ártico e tem uma água muito fria. Meia dúzia de anos depois, o bacalhau volta à Noruega para desovar e, para chegar até cá, nada entre 1.000 e 1.500 quilómetros, por águas limpas e claras", refere.

"São águas que não estão poluídas. Quando cá chega, é só músculo", esclarece.


O que distingue este bacalhau


Essa maratona nas águas gélidas e límpidas reflete-se no peixe. "Tem menos gordura. 98% são proteína. Por isso, é que eu digo que o bacalhau da Noruega, por todas as razões, é o melhor dos bacalhaus", refere Johnny Thomassen. "O da Islândia ou do mar Báltico é um bacalhau estacionário. O peixe vive sempre no mesmo sítio. Não anda a migrar de um lado para o outro. É um bacalhau que é bom, obviamente, mas não é aquele que se pode considerar o verdadeiro e Portugal tem a sorte de o poder saborear", orgulha-se.


Lars-Age Larsen, capitão de um barco de pesca, ex-pescador, também atesta a qualidade do peixe captura há 40 anos. "Estas águas são muito limpas", orgulha-se em declarações ao Broader. O norueguês era ainda bebé quando acompanhou pela primeira vez os pais à pesca do bacalhau. "Quando se nasce num lugar como Lofoten [no norte da Noruega], começamos a pescar quando começamos a andar. Muitas pessoas daqui são ou foram pescadores", desabafa o empresário. Com o passar dos anos, seguiu-lhes os passos.


"Passei uma grande parte da minha vida no mar", confidencia. A pele marcada pela exposição aos ventos frios é a prova disso. Hoje, possui um barco de pesca que usa em excursões para turistas. "Já cá tive alguns portugueses", revela. "Nos dias de mau tempo, é muito difícil estar no mar, mas depois habituamo-nos", garante Lars-Age Larsen. Apesar de já ter pescado salmão e truta, o bacalhau é um dos peixes que prefere capturar. "O maior que apanhei tinha 25 quilos mas um ex-colega meu apanhou um com 46", refere.


As mudanças que foram ocorrendo


Ao longo do tempo, a atividade piscatória tem vindo a evoluir. Em mais de quatro décadas de profissão, Lars-Age Larsen assistiu a muitas mudanças, até no tamanho e na qualidade do peixe que vai mordendo o isco. "Houve períodos bons e menos bons", recorda o empresário nórdico. "Mas os últimos 10 anos foram de grande pescaria. O governo norueguês passou a regular as quantidades de peixe que podíamos capturar e isso acabou por ter um impacto muito positivo no setor", garante. Johnny Thomassen confirma-o.


"A Noruega tem tido uma grande preocupação com a sustentabilidade das pescas e com a manutenção de stocks sustentáveis", assegura o ex-dirigente em declarações exclusivas ao Broader. "Nós pescamos bacalhau há um milhar de anos e temos um controlo científico muito rigoroso para os manter altos", afiança ainda o norueguês. A explicação é simples. Há quase 20 anos, em 2004, a World Wildlife Fund (WWF) alertou para a redução drástica do número de bacalhau nas águas dos mares do Norte Europeu num espaço curto.


O bacalhau a secar ao ar livre, pendurado em estruturas de madeira, depois da cura de salmoura, fotografado por Pedro Lopes


Segundo a organização não-governamental, se não fosse rapidamente tomadas medidas, este peixe poderia ficar à beira da extinção num prazo máximo de 15 anos. De acordo com o Conselho Norueguês dos Produtos do Mar, hoje esse problema já não se põe. "Os nossos stocks estão em grande forma. Posso garantir que não vos vai faltar bacalhau nos tempos mais próximos", refere Johnny Thomassen. "Na Noruega, somos defensores de um princípio de pesca a que chamamos o fator 100", explica ainda o ex-dirigente.


"Partimos do pressuposto que 100 é a quantidade máxima que se pode ou deve pescar e também a quantidade que devemos deixar para o ano seguinte. Se eu tiro 100 peixes do mar, devo lá deixar 100 porque, se tirar 110 num ano, só lá deixo 90 e se, no ano seguinte, voltar a capturar novamente 110, já não deixarei lá 80. Só deixarei 60. Tanto os nossos governantes como os nossos pescadores respeitam muito isso", afiança. Os dados oficiais confirmam-no. Os maiores cardumes de bacalhau do mundo estão na Noruega.


Os processos de transformação a que é sujeito


Ao contrário dos noruegueses, que o ingerem essencialmente fresco, os portugueses gostam (mais) dele seco e salgado e, na maioria dos casos, é no território onde é pescado que esse processo se inicia. "Primeiro, é feita uma cura de salmoura", explica Johnny Thomassen. "Eu costumo fazer uma analogia curiosa comparando-o com o vinho", confidencia o ex-diretor nacional do Conselho Norueguês dos Produtos do Mar. "Para ser bom, tem de maturar durante algum tempo", sublinha o ex-dirigente nórdico.


"Deve ter, pelo menos, três meses de cura mas quantos mais tiver melhores serão as lascas, melhor será a consistência e melhor será o sabor. Há em Portugal uma empresa que lançou um bacalhau gourmet, vintage, como se fosse um vinho do Porto, que tinha uma cura de 20 meses. Eu diria que não é preciso tanto para conseguir um bom bacalhau", desabafa. "Um bacalhau de topo deve ter entre oito a nove meses de cura. É o suficiente", refere. "A cura de sal e salmoura é que faz toda a diferença", garante o especialista.


Depois de curado, o bacalhau é posto a secar, pendurado em estruturas de madeira ao ar livre. "O processo de secagem é relativamente rápido. Demora entre duas a três semanas. Também pode ser feito em unidades fabris com ventoinhas. É nesta fase que se lhe vai retirar a água", esclarece Johnny Thomassen. Nesta fase, a cabeça é cortada e o processo de secagem é feito em separado. "Isso acontece porque têm mercados diferentes. A cabeça tem um valor comercial mais baixo", ressalva ainda o norueguês.


O preço a pagar pela qualidade


Os samos, as bochechas e a língua do peixe já vão tendo alguma procura nacional. "São um ingrediente gourmet", justifica o antigo diretor nacional do Conselho Norueguês dos Produtos do Mar. "Mas, aqui na Noruega, também não são um produto de massas. Só alguns é que os apreciam", refere. A aposta na valorização do(s) produto(s) tem custos acrescidos. "Como em muitas outras coisas, a qualidade tem de ser paga e cada vez mais as pessoas, incluindo os portugueses, estão dispostos a pagar por ela", sublinha.


"Antigamente, o bacalhau era vendido apenas pelo tamanho. O crescido vai até aos dois quilos, o graúdo tem entre dois e três quilos e o especial tem mais de três quilos. Muita gente pensa, erradamente, que o graúdo é melhor do que o crescido e que o especial é melhor do que o graúdo. Não tem nada a ver. Esses nomes referem-se apenas aos tamanhos", garante Johnny Thomassen. "Quando as pessoas compram bacalhau, há toda uma série de fatores que as pessoas devem ter em conta", explica o especialista.


No momento de ir às compras, a primeira coisa a observar no bacalhau é a cor. "Se tiver uma boa cura, a carne do peixe é amarela, com um tom de palha. Ao contrário do que muitas pessoas, erradamente, pensam, uma cor mais branca não é sinónimo de uma boa cura, muito pelo contrário", alerta o ex-diretor nacional do Conselho Norueguês dos Produtos do Mar. "Em segundo lugar, devem avaliar se está bem seco. Se levantarmos o bacalhau pelo rabo ou pelas asas, ele não deve dobrar", avisa o especialista.


Os truques para o escolher bem


Como em tudo, há que ter olho. "O bacalhau deve ficar direito. Se não ficar esticado, é porque não secou o suficiente", esclarece. "A terceira coisa a fazer é enfiar o dedo na carne do bacalhau", enumera. "Não deve afundar. A carne deve ser suficientemente dura para que o dedo não a penetre. E também não deve lascar", adverte. As recomendações não se ficam, no entanto, por aqui. "Também se deve olhar para o fim que pretendemos dar ao bacalhau para poder comprar aquele que é o mais adequado", avisa ainda.


A utilização a dar ao bacalhau é determinante no momento de escolher a(s) posta(s). "Se queremos um bom lombo, devemos comprar as de graúdo ou de especial. Se for para fazer um bacalhau à Brás, umas pataniscas ou um prato como o bacalhau com natas ou o bacalhau espiritual, podemos perfeitamente comprar as de um peixe mais pequeno. Será igualmente saboroso", garante Johnny Thomassen, um profundo conhecedor das diferentes variedades que são comercializadas nos espaços comerciais do nosso país.


"Neste momento, encontramos no supermercado vários tipos de bacalhau de várias qualidades. O Continente, por exemplo, tem o Bacalhau Continente Seleção e o Pingo Doce tem o Bacalhau de 1ª da Noruega Pingo Doce. É mais caro, geralmente custa mais um euro por quilo, mas é melhor. Também podemos comprar o mais acessível, que é igualmente bom", garante o ex-diretor nacional do Conselho Norueguês dos Produtos do Mar, que quando veio para Portugal foi surpreendido pelo receituário nacional.


A(s) melhor(es) formas de o saborear


Em Portugal, não faltam formas de saborear o fiel amigo, como os mais antigos ainda lhe chamam. "Eu, quando descobri que eram tantas, achei que os portugueses eram loucos", confidencia hoje Johnny Thomassen. "A minha esposa é portuguesa e, depois de casarmos, só ao fim de dois anos é que ela repetiu o mesmo prato. E nós comemos bacalhau uma vez por semana, pelo menos. É um peixe que eu adoro. Penso sempre que não há mais maneiras diferentes de o confecionar e depois sou surpreendido", confessa.


"À semelhança da culinária tradicional, os vossos chefs têm uma enorme capacidade de se reinventar", elogia. "Nós temos a paixão de o pescar e processar mas a capacidade de fazer bons pratos de bacalhau é toda vossa. Não há qualquer dúvida", refere. "O meu preferido é o bacalhau à lagareiro, porque é muito simples. É bacalhau na grelha com um bom azeite e batata a murro e já está. Aquilo de que eu mais gosto na vossa culinária é essa simplicidade. É uma cozinha muito honesta que respeita muito os ingredientes", enaltece.


"Se o produto é bom, não inventam. Não o camuflam com muitos molhos e temperos", elogia. Lars-Age Larsen, quando visitou Portugal, há 10 anos, ficou surpreendido por ver tanto bacalhau seco à venda nos supermercados mas, habituado que está a ingeri-lo fresco, não se atreveu a prová-lo em nenhum restaurante nacional. "Na Noruega, não o comemos curado nem salgado. Sai diretamente do mar para as nossas cozinhas. Para nós, não nos faz sentido esperar nove meses para comer bacalhau", desabafa Johnny Thomassen.



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